O desperdício nosso de cada dia (…) as verdades sobre o desperdício em saúde.

O desperdício nosso de cada dia (…) as verdades sobre o desperdício em saúde.

Este é o terceiro artigo da série iniciada com o texto “Por que a saúde no Brasil deveria se reorganizar por processos (e por que os gestores de saúde deveriam compreender e adotar a gestão por processos)?”

E para não desperdiçar muito seu tempo, vou direto e sem rodeios ao tema principal: já parou para pensar o quanto desperdiçamos em nosso sistema de saúde?

Já participei de diversas discussões cujo foco era: faltam recursos para o Sistema de Saúde (em especial para o público) ou os recursos são mal utilizados? Eu diria que ambos.

Realmente, a combinação entre o percentual do PIB gasto em saúde no Brasil e qual o percentual deste gasto é financiado por recursos públicos gera uma equação improvável para um sistema que se propõe ser universal e integral, apenas com uma participação complementar do privado. Apesar das críticas, não fosse o nosso modelo de múltiplas fontes de financiamento (desembolso direto, saúde suplementar, saúde pública), provavelmente nosso sistema de saúde seria ainda mais caótico.

Mas, não podemos continuar fechando os olhos para os desperdícios ou mesmo escondendo a má qualidade do gasto. No primeiro artigo citei um estudo feito pelo Banco Mundial, publicado em 2008, com dados de 2006. Este estudo resultou na publicação do compêndio Desempenho Hospitalar do Gerard La Forgia e do Bernard Couttolenc. Talvez você não encontre o PDF dele completo na Internet, mas recomendo passar o olho neste link: http://www.bresserpereira.org.br/documents/MARE/Saude/08.6.EstudoLaForgiaHospitaisOSs.pdf. Adicionalmente, você pode ver a introdução do livro aqui: http://www.bresserpereira.org.br/documents/MARE/Saude/08.6.EstudoLaForgiaHospitaisOSs.pdf.

Vejam estes dados (são de 2006, mas muitos deles permanecem em patamares próximos ou evoluíram pouco de lá para cá):

  • Mais de 30% das internações são desnecessárias, o que causa desperdício de R$ 10 bilhões por ano.
  • Os pesquisadores apontaram que a taxa de ocupação de leitos dos hospitais brasileiros é de 37%.
  •  60% dos 7.426 hospitais do país contam com, no máximo, 50 leitos / em contraponto a pesquisas internacionais que estabelecem que os hospitais devam ter entre 100 e 200 leitos (Posnett 2002). Obs.: existem publicações que falam entre 150 e 250 leitos.

O modelo de atenção inadequado (“hospitalocêntrico”) e as “deseconomias” de escala e escopo são grandes responsáveis por imensos desperdícios em nosso sistema de saúde. E desperdício com resultados inferiores, o que é pior.

Se você considerou estes dados desatualizados, vamos a alguns dados mais recentes.

Veja este dado atual retirado do seguinte estudo (http://documents.scribd.com.s3.amazonaws.com/docs/6j0sz23kw05qrody.pdf): “cerca de R$ 22,5 bilhões dos gastos das operadoras de planos de saúde do País com contas hospitalares e exames, em 2015, foram gerados indevidamente, decorrendo de fraudes e desperdícios com procedimentos desnecessários. Isso representa 19% do total das despesas assistenciais realizadas pelas operadoras de planos de saúde”.

Outro dado relevante de desperdício, desta vez relacionado aos eventos adversos ou as falhas (http://documents.scribd.com.s3.amazonaws.com/docs/5x5i1j985c5jwcsp.pdf) estima que: eventos adversos em saúde consomem até R$ 15 bilhões da saúde privada no Brasil por ano.

Obs.: Sugiro que leiam esta publicação citada no último link, denominada: “Erros acontecem: a força da transparência no enfrentamento dos eventos adversos assistenciais em pacientes hospitalizados”

Percebam que ambos os estudos acima focam em algumas das parcelas de desperdício observadas no sistema de saúde. Ou seja, para termos a conta do desperdício, precisamos somar estas e outras causas. Realmente, alarmante esta situação.

Um estudo publicado em 2014 pelo próprio Instituto de Estudos da Saúde Suplementar (IESS) indicou mais de U$ 500 bilhões de desperdício no setor de saúde norte americano. (http://iess.org.br/?p=imprensa&categoria=noticia&id=42). Resumindo as contas, temos este desperdício estimado (por causas):

Mas como a gestão por processos pode ajudar a combater / reduzir este desperdício?

Vamos a alguns pontos. Antes de continuar, porém, queria fazer uma pergunta: vendo todo este desperdício, como você se sente? Acha normal? Se sente indignado, mas pensa que não tem muito como contribuir mesmo sendo um profissional da saúde ou apenas um cliente (paciente, beneficiário, usuário)? Ou fica indignado e começa a pensar como pode fazer a sua parte?

Todos nós podemos mudar esta realidade. Insistir em um exame desnecessário sem recomendações de evidências científicas é desperdício. Usar de forma inadequada o sistema de saúde ou mesmo não cumprir a sua parte no cuidado com a própria saúde gera desperdícios. Enfim, estamos cheios de oportunidades e, olhando para o “copo meio vazio” é isso que importa para prosseguirmos.

Voltando a processos, tenho me interessado cada vez mais pela metodologia lean. Uma das abordagens interessantes no lean são os chamados 7 desperdícios.

Veja como a tabela abaixo nos mostra exemplos de desperdícios no sistema de saúde nos quais podemos atuar (reforço que estes exemplos foram retirados do excelente livro Em busca do cuidado perfeito do Carlos Frederico Pinto http://www.leanshop.com.br/produto/97/em-busca-do-cuidado-perfeito.aspx):

Faça um exercício. Extrapole o exemplo acima e tente enxergar as oportunidades que você vê em seu dia a dia. Mesmo como um “cliente”, procure fazer a sua parte. E se é profissional do sistema de saúde, trabalhe de forma a combater incessantemente o desperdício. Não tolere o desperdício. Lembre que a cada ação (ou falta de ação) que gera desperdício é o nosso recurso que está indo embora. Você provavelmente ficaria indignado se observasse alguém pegando uma comida que acabou de ficar pronta e, sem nenhuma razão, jogando no lixo, não é? Fique ainda mais indignado com os desperdícios em saúde.

Lembre-se que um recurso desperdiçado em saúde não é apenas um gasto mal feito, mas pode significar a perda de vidas. Voltando ao excelente trabalho “Erros acontecem: a força da transparência no enfrentamento dos eventos adversos assistenciais em pacientes hospitalizados”, recordo que as causas adversas (ou seja, erros!!!) são uma das grandes fontes de desperdício. E outra consequência séria delas são morte ou sequelas em pacientes.

A Governança Clínica com práticas baseadas em protocolos construídos a partir de evidências (ou seja, processos definidos, padronizados, com base em melhores práticas) e com monitoramento de desempenho e gerenciamento de risco vão ajudar a evoluir esta agenda tão importante: em busca de uma saúde mais eficiente, eficaz e efetiva.

Falando em lean six sigma, um nível 3.8 sigma pode significar 2 pousos mal sucedidos por dia ou falta de eletricidade por 7 horas todo mês. Ainda bem que a aviação e as empresas de energia elétrica em geral estão acima deste nível.

Busquemos evoluir da mesma forma. A obsessão contra o erro ou a intolerância ao erro vão nos evoluir de uma saúde que tolera e justifica falhas para uma saúde de alto padrão.

 

Autor: FRANCISCO TAVARES JÚNIOR – Especialista em Planejamento Estratégico e em Gestão por Processos

Linkedin: https://www.linkedin.com/in/francisco-tavares-junior-b2a46b61