As dificuldades vividas pelos gestores na organização das conferências municipais de saúde

As dificuldades vividas pelos gestores na organização das conferências municipais de saúde

Não discutimos a importância da participação social no processo de construção do Sistema Único de Saúde (SUS), participação essa que, nos termos da Lei Federal nº 8.142, de dezembro de 1990, se dá por meio de duas instâncias: o Conselho e a Conferência de Saúde. Falemos sobre a última, mas sob um olhar diferente, que aborda as dificuldades dos gestores em organizá-la.

Ainda que para alguns discutir a organização da Conferência sob o ponto de vista do gestor possa parecer algo um tanto quanto irrelevante e, por que não, desnecessário, para nós, agentes apoiadores dos gestores de saúde, a pauta em discussão tem lá seu fundamento. A Conferência de Saúde é um compromisso inadiável da gestão e apresenta uma série de desafios, às vezes ignorados pelos demais segmentos, mas que afligem nossos clientes.

A Conferência Municipal de Saúde deve se reunir a cada quatro anos com a representação dos diversos segmentos sociais, de trabalhadores e gestores de saúde. A recomendação é que sejam realizadas no início da gestão, propiciando um momento de reflexão e construção coletiva dos rumos que se pretende para o SUS.

O evento ‘conferência’ deve ocorrer no primeiro ano de exercício da gestão, período em que as coisas ainda se encaixam e que tudo é mais difícil, especialmente para gestores estreantes e de municípios de menor porte. Não bastasse o fato, a Conferência Municipal de Saúde possui natureza logística complexa. O evento reúne grande número de participantes, de diferentes segmentos sociais e com diferentes percepções de mundo, exigindo estratégias específicas de mobilização e de metodologias de discussão. Tudo isso, obviamente, pressupõe disponibilidade de ‘dinheiro’. Dinheiro esse que deve estar respaldado em um orçamento idealizado em ano anterior, pelo gestor antecessor (às vezes de partido contrário ao do gestor atual), que vez ou outra – ou quase sempre – não previu a realização desse “evento”, determinado desde 1990.

Mas vamos lá. Considerando a hipótese de existir orçamento no município para a realização da conferência, fato que deve ser comemorado, a realização da Conferência pressupõe a disponibilidade do ‘financeiro’, ou no popular, do ‘dinheiro’ propriamente dito.

Não é segredo para ninguém a dificuldade financeira por que passa o Estado Brasileiro, dificuldade que se agrava quando analisamos a situação dos municípios, entes que em 2017 devem realizar a Conferência de Saúde. Não nos esqueçamos que, em algumas situações, as Conferências ocorrem mediante a realização prévia de pré-conferências e/ou conferências locais, que oneram ainda mais orçamentos bastante exíguos.

Se do ponto de vista financeiro organizar uma conferência é viável, o que dizer de três? Este ano, conforme recomendação do Conselho Nacional e dos Conselhos Estaduais de Saúde determinou-se a realização de mais duas conferências temáticas, sendo, a Conferência de Vigilância em Saúde com o tema “Vigilância em Saúde: Direito, Conquistas e Defesa de um SUS público e de qualidade” e a Conferência de Saúde de Mulher, sob o tema: “A Saúde das Mulheres: Desafios da Integralidade com Equidade”. Nada contra os temas sugeridos, muito pelo contrário. Sua discussão é válida, mesmo entendendo que outras, tão ou mais importantes quanto, também mereceriam uma Conferência exclusiva.

Outro ponto. A essência da conferência, em qualquer nível de governo, seja federal, estadual ou municipal, do ponto de vista prático e concreto, é identificar as diretrizes para a implementação das políticas, planos, programas e ações de saúde. Para isso, é importante que se conheça o perfil epidemiológico da população, bem como os fatores geográficos, demográficos, políticos, econômico-sociais, culturais e institucionais que influem na saúde dos indivíduos e da comunidade. Dessa maneira, um diagnóstico da situação, tanto do ponto de vista administrativo e epidemiológico quanto que do ponto de vista estratégico e ideológico, é um dado assaz necessário para a definição das diretrizes. A pergunta que se coloca: possuímos (gestores) as ferramentas adequadas, no primeiro semestre de gestão, para transpor esse diagnóstico aos outros demais segmentos da Conferência (trabalhador e usuário)? Façamos esse exercício refletindo sobre a diversidade técnica-organizacional dos 5.570 municípios brasileiros.

Paremos de pensar na organização da conferência sob o ponto de vista logístico, financeiro e metodológico, para pensar, nos resultados obtidos com a realização desse evento. Pergunto-lhes sobre a qualidade dos Planos Municipais de Saúde produzidos em nosso país. Apesar de legítimos, considerando que foram elaborados com base nas diretrizes das Conferências de Saúde, eles realmente são capazes de orientar a gestão em sua praxis estratégica? O que você pensa sobre isso?

Devemos dizer que poucos se dão conta que realizar uma conferência exige do gestor municipal, além de dinheiro, massa mental e intensa articulação técnica e política. Tudo isso no semestre inicial da gestão, quando por diversas razões as coisas ainda não são tão claras; seja pela inexistência de uma transição saudável e republicana, algo comum em inúmeros municípios ou pela necessidade inadiável de algumas urgências e prioridades, típicas dos primeiros meses de gestão.

Enfim, mesmo que alguns possam pensar que desacreditamos no papel da participação social na construção do SUS, algo que não é verdade, devemos dizer que por mais irracional que possa parecer realizar três conferências de saúde em pouco mais de seis meses, com pouco ou nenhum dinheiro disponível, população desmobilizada, trabalhadores desesperançados e ausência de aparato técnico e metodológico adequado, temos convicção da necessidade e importância dessa instância no SUS. Mas ainda que não seja tarefa fácil e quase um tema proibido perante os militantes da Reforma Sanitária, devemos sim repensar a forma e time em que tem ocorrido as Conferências de Saúde. Às vezes, em algumas ocasiões, internalizamos o que induzimos ser natural e esquecemos de pensar no real efeito das coisas. Talvez seja esse um dos motivos pelos quais temos adiado tanto esse debate.

Autor: FBR Assessoria e Serviços Gerenciais